quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Obras do colegial

Você é o tipo de garota que estudava na mesma escola há oito anos, mas nunca fez amizades sólidas e duradouras. Pensando bem, você nunca fez amigos. Você é aquela menina quieta e solitária, que jamais levantou a mão para perguntar algo importante, e só fala um singelo “Eu” na hora da chamada (quando você não tem a sorte de ser vista pelo professor e apenas levantar a mão, indicando a presença). Você abre a boca seis vezes por dia, e isto já é uma tortura emocional.

Em casa, a solidão é a mesma: sua mãe trabalha fora o dia inteiro, e como você não tem irmãos para poder irritar, brigar ou pedir ajuda, você passa as tardes trancada no quarto estudando. Apesar de ser uma rotina entediante e um pouco depressiva, vale à pena: suas notas estão finalmente subindo, mesmo que certas imagens assustadoras e bem nítidas invadam seu sono à noite.

Por falar em escola, sua mãe e seu pai decidem que será melhor para você se houver uma mudança de ares – isso quer dizer adaptação, e adaptação significa pesadelo. Após dois meses tranquilos de férias, fevereiro chega e você não está nem um pouco animada com o fato de encarar centenas de adolescentes novamente. A boa notícia: eles não te conhecem. Mas afinal, isso seria realmente uma notícia? Você é tão discreta em ser você mesma que você poderia faltar uma semana na escola sem que ninguém notasse seu desaparecimento; e que se a professora ou o professor perguntasse para a classe: “Alguém sabe o que aconteceu com a Mariana?”, os alunos não saberiam responder, afinal, tem alguma Mariana na nossa sala?

Você gostaria de ter mais companhia. Não precisa ser um irmãozinho, mãe, um cachorrinho está bom. Sem você saber, seus pais conversam sobre o assunto e dois dias depois seu pai volta do trabalho segurando uma pasta de couro preto em uma mão e um delicado saco plástico na outra. O minúsculo peixe dourado nadando desnorteadamente no claustrofóbico espaço artificial é mais delicado ainda, e você o coloca com muito cuidado em um recipiente de vidro que sua mãe deixou você usar. Você observa Peixinho, e seus olhos quase brilham de contentamento. Ele não faz barulho, nem interage com o resto do mundo, mas ele é especial de alguma forma.

Você não consegue segurar as lágrimas quando Peixinho morre, um dia depois de tê-lo ganhado. Você se questiona se ele comeu muita ração ou se ele já estava doente antes, mas não importa mais: Peixinho foi embora, e, tirando você, ninguém liga. Sua mãe diz que não faz mal chorar, todos se sentem tristes de vez em quando; e, querida, essa raça é muito fraca, dura pouco tempo. Mas é só um peixinho, né? Realmente, apenas um peixinho.

A escola nova é estranha, barulhenta... Você estava acostumada com trinta pessoas (no máximo) em uma classe, e dez a mais faz a diferença. A primeira coisa que você nota quando pisa na sua sala de aula – três dias depois que o resto dos alunos - é a divisão de grupos já formada. As carteiras do fundo estão ocupadas, então você se senta na primeira fileira, bem na frente da porta. As duas primeiras aulas voam como tartarugas, e você se sente mais que aliviada quando o estridente sinal do intervalo toca, por mais que você nem se esforce para se mover. Três garotas se materializam ao seu redor e começam a conversar com você, mesmo que você não fale nada. Elas parecem ser bem animadas, um tanto afobadas, mas você descobre que elas são divertidas, simplesmente normais, e isso é bom.

Um mês se passa desde que seu frágil animal de estimação morreu, e sua mãe compra um peixe Betta vermelho maravilhoso, como havia prometido antes. Você decide que será fêmea e que se chamará Lulu, mesmo o nome sendo um pouco babaca. A Lulu é linda e bem resistente, e ela dura muito mais que um dia. Você é tão forte quanto seu novo peixe, mas tão introspectiva quanto Peixinho, o falecido. Às vezes você sente falta dele, por mais que ele tenha ficado com você por pouquíssimo tempo, mas logo que você chega em casa e vê Lulu, a saudade vai embora.

Muitas pessoas odeiam escola, mas você não é como elas (em muitos sentidos), por isso você prefere passar a manhã anotando matérias ao mesmo tempo em que tenta apagar a imagem do seu pai bêbado da sua cabeça do que dividir a solidão com um peixe. Fazer duas coisas juntas não dá certo, e você logo se dá conta disso quando as palavras em seu caderno cor-de-rosa se confundem com as palavras proferidas por um certo alguém na noite passada. Você precisa chorar, mas demonstrar emoções na sala de aula é perigoso e constrangedor demais; e como você é muito tímida para pedir permissão para ir ao banheiro, você engole o choro e continua a escutar o que sua professora de biologia está explicando.

Seus colegas de sala te acham esquisita, quieta demais... mas você já está acostumada e, além do mais, eles não estão errados. Você odeia ser assim, mas não há outra opção.
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Ai que vergonha, meu Deus x_x é a primeira vez que eu mostro esse texto para alguém, e não sei o que vão achar - se houver algum comentário, claro. E eu demorei para dar sinal de vida porque meu estoque de criatividade tinha acabado. Tá, é isso.

Vou viajar amanhã e só volto a ter contato com a internet e com o mundo segunda-feira (espero que sim, pelo menos).

Beeijos,
Jade

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